sábado, 14 de junho de 2014

CONTEXTO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM (DAs)



Os primeiros estudos sobre as Dificuldades de Aprendizagem (DA) surgiram nas áreas das ciências biológicas e médicas no século XIX, de modo que conceitos de anormalidade diante da observação da incapacidade de algumas crianças em aprender eram atribuídos a alguma anormalidade orgânica. Segundo consta, os primeiros especialistas que se ocuparam de tratar as DAs foram os médicos que associavam o fracasso ao déficit intelectual, ou seja, ao baixo QI[1].  Segundo Patto (2000):

Inicialmente circunscrita à avaliação médica segundo os quadros clínicos da época, a avaliação dos “anormais escolares” tornou-se, durante os 30 primeiros anos do século XX, praticamente sinônimo de avaliação intelectual. Nesta época os testes de QI adquiriram um grande peso nas decisões dos educadores a respeito do destino escolar de grandes contingentes de crianças, que na Europa e na América, conseguiram ter acesso à escola.


Bossa (2002) indica que os testes de QI (psicometria) dificultaram durante muitos anos a integração do estudo da personalidade, no plano profundo com as dificuldades de aprendizagem e concorda com Ocampo (1994) quando este afirma que:

No campo das dificuldades de aprendizagem, o que importa não é considerar apenas o potencial intelectual demonstrado pelo sujeito no momento do exame, mas também o potencial que possui e não pode usar. Neste sentido, somente estudando a singularidade do sujeito podemos compreender o sentido do sistema escolar. (p.23)


Alguns autores tomam o fracasso escolar como uma patologia, ou como um sintoma escolar. Este segundo é abordado mais especificamente pela ótica Psicanalítica. Ou seja, conceitos de anormalidade e patologia se transferiram dos hospitais para as escolas. Conforme Scoz (1994), as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem passaram a ser designados como anormais escolares, já que seu fracasso era atribuído a alguma anormalidade orgânica.
Devido à incorporação dos conceitos psicanalíticos na área médica, houve uma modificação na concepção a respeito das causas das dificuldades de aprendizagem. Foram incorporados às explicações para as possíveis causas do insucesso escolar os fatores de ordem afetiva e de personalidade. As crianças com dificuldade de aprendizagem passaram a ser denominadas ‘crianças problema’. “[...] de anormal, a criança que apresentava problemas de ajustamento ou de aprendizagem escolar passou a ser designada como criança problema”. (PATTO, 2000, p. 45).
Baseado na conceitualização internacional – DSM-IV[2], a dificuldade de aprendizagem caracteriza-se por um funcionamento essencialmente abaixo do esperado, levando em consideração a idade cronológica e o quociente intelectual do individuo.
De acordo com Golbert e Moojen (1996, p. 80), “a expressão Dificuldade de Aprendizagem (DA) tem sido utilizada em múltiplos sentidos devido, fundamentalmente, à diversidade de fatores intervenientes no processo da aprendizagem humana.”


[1] O primeiro teste de inteligência foi criado por Alfred Binet, então diretor do laboratório de psicologia da Sorbonne, por solicitação do Ministério da Educação da França. Ele elaborou um instrumento que consistia de um conjunto de tarefas breves, relacionadas aos problemas da vida quotidiana, que, supostamente, implicavam certos procedimentos racionais básicos, para identificar crianças que necessitariam de educação diferenciada. Binet, no entanto, defendia que a inteligência era por demais complexa para ser expressa por um único número (QI) e negou-se não apenas a qualificar o QI como inteligência inata, como também a considerá-lo um recurso geral para a hierarquização de alunos, segundo seu valor intelectual, chegando mesmo a prever a possibilidade do mau uso de suas escalas de inteligência. (Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, 2002, 15(2), pp. 261-270)
[2] Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais é uma publicação da American Psychiatric Association, Washington D.C., sendo a sua 4ª edição conhecida pela designação “DSM-IV”. Este manual fornece critérios de diagnóstico para a generalidade das perturbações mentais, incluindo componentes descritivas, de diagnóstico e de tratamento, constituindo um instrumento de trabalho de referência para os profissionais da saúde mental. (Disponível em: http://psicologianiltonlins.no.comunidades.net/index.php?pagina=1744050125)


REFERÊNCIAS
 
 OCAMPO, M. L. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. 7. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

 ______. Introdução à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.

SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar. Petrópolis: Vozes, 1994.
SUKIENNIK, Paulo Berél (Org.) O aluno problema: transtornos emocionais de crianças e adolescentes. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996.
 


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